A PRIMEIRÍSSIMA AULA DE FRANCÊS

Na quinta-feira dia 2 de outubro de 2002, entro na sala 101 da Université Ouvrière de Genève às 19h30 e deparo-me com 23 pessoas aguardando pelo professor de Français.


O friozinho na barriga me pega de surpresa e digo em seguida "BONSOIR" ("boa noite", equivalente ao "Good Evening" em Inglês - "Guten Abend", em alemão, ou "Buona Sera", em italiano - cumprimento utilizado quando se chega a algum lugar à noite). Abro o ficheiro contendo o nome dos alunos assim como as suas nacionalidades. Sem comentários: 10 alunos brasileiros. Os demais alunos vêm de praticamente todos os continentes: Ásia, África, Europa e Oceania (sem falar da América Latina).

Todos os alunos me olham, todos tímidos (exceto os brasileiros, claro) esperando alguma iniciativa minha. Tudo isso ocorre em fração de segundos, transparecendo aquela tranquilidade que adquirira outrora na Hotelaria. Pego o marcador e escrevo o meu nome, sobrenome, telefone de contato e e-mail no quadro branco.

Neste instante, mais dois alunos entram na sala fechando os 25 alunos: sala cheia, todos olhando para mim com aquela típica expectativa de primeira aula. A atenção e o silêncio reinam até 19h32. Sem pena, começo a aula relembrando-me nitidamente da segunda aula que tive de Francês na ETFPE em agosto de 1994 com a maravilhosa Kátia Volga (vide item 2).

Faço a mímica necessária de forma exagerada dizendo três vezes: "JE" ("eu"). Todos me observam com os olhos completamente arregalados. Gesticulo de uma forma esperando que todos repitam a mesma palavra: "JE". Esse "e" mudo não existe em português do Brasil (mas existindo no português europeu e africano) nem em inglês, nem em espanhol, nem em italiano, nem em japonês, porém existente no alemão.

Foi muito engraçado ver todos os alunos forçando um "biquinho" desnecessário neste caso. Percebo que todos repetem tentando fazer o melhor que eles podem.

A sala está disposta em formato "U" (ideal para dar aulas: todos os alunos podem se olhar facilmente), olho para o primeiro aluno da minha esquerda e falo "JE" e, apontando com a palma da mão aberta utilizando os quatro dedos (nunca com um dedo indicador) para ele, ele deduz eficazmente que precisa repetir "JE". No momento em que ele diz "JE" e gesticula da mesma forma que eu havia feito, isso significou claramente que ele havia entendido que "JE" representa "EU". Pensei comigo: falta apenas que ele repita 30 vezes o "JE" para que ele memorize com esplendor a tal palavra (argumento utilizado por andragogos quanto ao processo cognitivo de um idioma).

Dou a vez a todos os alunos de falarem ainda o "JE". Todos reproduzem entusiasmados e várias vezes. Notando que os alunos estão mais "vivos", dou continuação apontando para o meu nome (Gilson) e pronuncio-o seguindo à risca a fonética francesa. Olho para o grupo e gesticulo solicitando que o aluno do meu lado esquerdo faça o mesmo falando o seu nome. Perfeito! Todos fazem o mesmo logo em seguida um de cada vez.

Como eu já havia previsto, distribuo as folhas brancas A4 que eu trouxe ao grupo. Eu pego uma, dobro em três partes iguais, escrevo o meu nome e ponho sobre a minha mesa de apoio. Todos repetem o mesmo ato e executam exatamente o que eu pedi por meio gestual. Os alunos que ficaram sem entender, foram ajudados gentilmente pelos colegas da esquerda ou da direita.

Soltando sorrisos sem cessar, paro de rir subitamente e continuo o propósito da primeira aula: apresentar-se. Dou sequência: "JE M'APPELLE GILSON". Repito lentamente três vezes e gesticulo em câmera lenta falando a frase em questão. Faço gestos pedindo que o aluno ao lado faça o mesmo. Todos fizeram exatamente o planejado. Sem escrever nada mais na lousa, apesar das solicitaçôes de alguns alunos, eu balanço a cabeça e repito a mesma frase.

Depois de uma rodada, percebo que eles já estão completamente empolgados e familiarizados com a frase, provavelmente porque eles já haviam tido contato com essa sentença por estarem em solo genebriano. Dou sequência gesticulando com a cabeça e com os dois indicadores: "JE NE M'APPELLE PAS MONTEIRO" ("eu não me chamo Monteiro"). Falando isso, eu pego a folha do meu aluno da direita (um brasileiro) e, apontando para o nome dele, eu repito três vezes a mesma frase. Gesticulo para ele para que ele faça o mesmo com o aluno da sua direita. Bingo!

Essa é a perfeita oportunidade que todos os alunos têm para olharem uns aos outros e de terem contato com o vizinho. Os risos não param e o clima continua intensamente agradável e descontraído. Quando o aluno da minha esquerda faz a atividade comigo ("JE NE M'APPELLE PAS GILSON"), eu retomo a primeira oração incluindo a segunda: "JE M'APPELLE GILSON, JE NE M'APPELLE PAS MONTEIRO". Bingo novamente. Dessa vez, eles já fazem mais rápido e com mais precisão no quadro fonético.

Olho para o relógio: passaram-se 25 minutos de atividade, faltando-me ainda 65 minutos para alcançar o plano dessa primeira aula. Logo em seguida, eu faço mímica para que os alunos pratiquem as duas frases em dupla olhando para o nome dos outros colegas de classe e falo "une minute" ("um minuto" - isso mesmo: minuto em francês é feminino). Eles percebem rapidinho e dão continuidade à atividade todos sorridentes.

Aproveito essa pequena pausa para caminhar pela sala a fim de perceber os erros fonéticos dos alunos corrigindo-os imediatamente e para sintonizar o nome de cada aluno com a lista de chamada.

Dando uma margem de um minuto extra para a atividade, retomo as duas frases e peço, aleatoriamente, que alguns alunos que não se saíram bem na atividade em dupla sigam o exemplo. Perfeito!

Agora eu paro, respiro fundo (todos riem) e lanço o seguinte: "JE" (gesticulando), "VOUS" (você formal gesticulando). Repito 3 vezes e peço através da mímica para que cada um repita o mesmo. Muito bom!

Com calma, sem pressa, lanço as seguintes frases: "JE M'APPELLE GILSON, VOUS VOUS APPELEZ MONTEIRO" ("eu me chamo Gilson, você se chama Monteiro"). Sem precisar fazer esforço nenhum, meu cobaia Monteiro já toma iniciativa e faz o mesmo. Todos fazem o mesmo. Falo "deux minutes, deux à deux" (dois minutos, em dupla).

Olho para a hora: misericórdia! Só me faltam 30 minutos para introduzir ainda mais 6 frases. Instantaneamente eu me tranquilizei: cada grupo tem o seu rítmo. Dou continuidade: "JE M'APPELLE GILSON, VOUS VOUS APPELEZ MONTEIRO". Faço pergunta aleatória a alguns alunos e tudo bem: frases memorizadas e vivenciadas com êxito.

Introduzo "VOUS VOUS APPELEZ MONTEIRO, VOUS NE VOUS APPELEZ PAS GILSON". Alguns me olham com ar de desespero. Repito lentamente as duas frases 3 vezes, transparecendo tranquilidade e serenidade. Monteiro, neste momento, trava. Dá um branco nele. Eu gesticulo transparecendo não haver problema e dirijo-me ao aluno ao lado dele, que executa a tarefa com êxito. Faz-se a volta na sala, todos repetem com menos facilidade agora. Chegando na minha vez, eu repito as quatro frases trabalhadas lentamente. Olho para todos e faço uma profunda respiração: eles não se aguentam e entram em gargalhadas.

Reinando o silêncio e a atenção de todos, introduzo o "OUI" ("sim") e "NON"("não", equivalente ao "NO" em inglês utilizado em respostas curtas). Isso, todos eles já sabiam de cor e salteado. Então, dirijo-me a uma aluna da Mongólia que percebi ser bem desenrolada e pergunto-lhe "VOUS VOUS APPELEZ SARNAI?", ela me responde "OUI, JE M'APPELLE SARNAI". Eu digo "TRÈS BIEN" ("muito bem"). Digo "QUESTION" e aponto para mim. Ele deduz eficazmente e pergunta-me "VOUS VOUS APPELEZ GILSON?". E eu respondo "OUI, JE M'APPELLE GILSON". Dirijo-me a Monteiro e pergunto a mesma estrutura usando o nome dele. Ele responde corretamente. Peço para Monteiro fazer a pergunta a outro aluno, pergunta e resposta perfeitas. Desta vez, o outro aluno questiona a Sarnai "VOUS VOUS APPELEZ GILSON?". Aí, ela responde "NON, JE NE M'APPELLE PAS GILSON. JE M'APPELLE SARNAI".

Perfeito! Peço que eles façam a atividade a dois perguntando e respondendo. Sabendo que agora, com 6 orações, eles precisarão de um pouco mais de tempo, eu faço a chamada dos alunos. Quando eu olho para o relógio, são 20h55. Encerro a aula dizendo "C'est bon. Au revoir!" (equivalente a "está bom por hoje. Tchau!").

Depois dessa experiência, tive certeza que o que eu quero para a minha vida é a formação de adultos como língua estrangeira. Paixão à primeira vista! E lá se vão 8 anos de experiência no ensino de Francês na UOG tendo ensinado 400 horas a pouco mais de 240 pessoas (previsão para junho 2010).





Gilson Lopes
2009_12_08

Um comentário:

  1. Oi Gilson,

    Só quero the dar meus parabéns pelo sucesso! Desejo a você muito mais que isso por que sei que capacidade e talento você tem de sobra:) A propósito, como vai dona Eliane? Mande lembranças por favor.

    Groetjes (como dizemos em Holandês, usado de maneira informal e equivalente ao "Regards"em Inglês.


    Ernandes (ex-Blue Tree Park tb)
    @: ernandes0206@hotmail.com

    ResponderExcluir