"... Afinal, Você as tem aguadas?"

Como vocês se sentiriam, caros lusófonos, se vocês lessem frases de tal calibre:

"Ahhh! Eu me lembro das lindas flores que o seu marido lhe tem dadas ao longo dessa semana! Afinal, Você as tem aguadas?"

Não! Mas será que eu estou lendo errado ou o quê? Essa frase soa tão estranha, eu poderia até considerá-la "errada". Sem dúvidas, os adeptos à risca da gramática normativa não perderiam essa oportunidade: "frase errada!".

Contudo, mergulhemos um pouco na análise dessa frase. Será que uma criança falaria uma frase desse naipe? Será que não? Um "guri" não falaria isso porque ele provavelmente nunca tenha escutado uma estrutura parecida.
Mas... pensando bem... será que algum brasileiro teria a "ousadia" de produzir/reproduzir algo assim? Se não for por um brasileiro, será que algum lusófono teria a capacidade de realizar essa proeza?
Em Portugal, em Angola ou no Timor Leste, por exemplo? Ou será que fala-se assim normativamente em outro idioma?

Vamos e convenhamos que é compreensível, do ponto de vista linguístico (semântico e pragmático), o que o caboclo está querendo dizer, concorda? Mesmo assim, eu poderia dizer que "eis um exemplo de uma oração agramatical"? Será que seja uma frase sem pé nem cabeça?

Qual é a lógica de concordar um particípio passado com um objeto direto? Epa... um segundinho aí... o particípio passado concorda com quem? "Obrigada" é particípio passado, mas só concorda quando há voz passiva?
Entretanto, agradecer é por acaso uma ação que exija voz passiva?

Enfim, vamos ao que interessa! Deixemos de lado as milhões de interrogações que possam surgir analisando, por esse ângulo acima, as frases do tema em questão.
Das línguas romanas, oriundas do Latim (português, espanhol, francês, italiano e romeno), apenas duas delas apresentam esse fenômeno em anáise: o italiano e o francês. Desconsideremos, nesta explicação, a equivalência não-exata da aplicabilidade do "pretérito perfeito composto" com o "passé composé" e com o "passato prossimo".

Para não passar em branco, esclareço de forma breve que, referindo-me ao italiano, o objeto direto exige que o particípio passado do verbo principal de um pretérito perfeito composto concorde apenas em uma condição: se o pronome de objeto direto estiver anteposto a este verbo. Deixemos a teoria de lado, vamos para a prática. Aqui vai um exemplo com devida tradução para o português.


"Ah! La mia macchina? L'ho comprata a Roma", Ah! O meu carro? Eu o comprei em Roma (não se espantem: carro em italiano é feminino!).
Vide explicação no site conforme link a seguir:
http://www.italien-facile.com/exercices/exercice-italien-2/exercice-italien-61121.php

Em francês, o fato segue o mesmo exemplo com apenas uma particularidade: qualquer objeto direto anteposto ao verbo principal (mesmo se conjugado com o verbo "avoir" no "passé composé") concorda
(sendo pronome ou não) obrigatoriamente com este verbo .

A frase do parágrafo anterior em francês:
"Ah! Ma voiture? Je l'ai achetée à Rome".
E a frase do tema em francês:
"Ah! Je me rappelle les belles fleurs que ton mari a arrosées cette semaine! En fait, les as-tu arrosées dernièrement?"

Sem dúvidas, o assunto "les accords du participe passé" em francês é um dos "top 5" de piores dificuldades do idioma.
A partir de agora, você não terá mais enxaqueca sobre esse assunto (talvez algumas pequenas dores de cabeça).

Gilson Lopes

2011_11_21